Bandeira Brasil-Polônia

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quinta-feira, 23 de maio de 2013

Uma saia com todas as flores do mundo: os versos de Bronisława Wajs

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Os roma são um povo mais conhecido pelos motivos errados do que pelos certos. Popularmente chamados de ‘ciganos’ em língua portuguesa, termo que, no dicionário, carrega, também, o sentido de ‘ladrão’. São poucas suas aparições na cultura universal: acredito que a maioria das pessoas, ao ouvir o nome desse povo, pense apenas na versão animada dos estúdios Disney para O corcunda de Notre-Dame ou, então, nos ciganos ocidentalizados – mas ainda ligeiramente exóticos – da telenovela Explode Coração.

No leste da Europa os roma possuem uma maior representatividade cultural. Seja ao serem incorporados na cultura dominante – como nos filmes do iugoslavo Emir Kusturica, notadamente em Dom za vešanje (O tempo dos ciganos) e Crna mačka, beli mačor (Gato preto, gato branco) – ou ainda em manifestações próprias, como a música do grupo Taraf de Haïdouks ou a literatura de Rajko Durič. Ainda assim, porém, são associados a estereótipos negativos, e grassa o desconhecimento sobre sua cultura e história.
Uma prova disso é a ignorância generalizada a respeito do Porajmos, o ‘holocausto cigano’. Durante a Segunda Guerra Mundial os ciganos foram perseguidos e mandados para campos de concentração, passando por uma eliminação tão sistemática quando a dos judeus – mas, no entanto, dificilmente esse fato é lembrado.
Parte disso, explica o estudioso americano (de ascendência romani) Ian Hancock, se deve ao desprezo que os ciganos sempre tiveram pela cultura ocidental, especialmente em suas vertentes mais acadêmicas. Apenas agora os romani parecem voltar seus olhos e mentes para o engessado mundo acadêmico, e vice-versa.
Existem, é claro, exceções à essa regra. Logo após a Segunda Guerra Mundial o tradutor, pesquisador e poeta polonês Jerzy Ficowski passou algum tempo entre os ciganos, o que resultou em uma grande quantidade de material, como Cyganie polscy eCyganie na polskich drogach. Entre esses materiais encontra-se a tradução dos poemas de Bronisława Wajs, a Papusza, para o polonês.
Nascida em 1908 em uma família de ciganos nômades,  Papusza sabia ler e escrever em polonês – coisa rara para ciganos nômades, mais ainda no caso das mulheres. Ainda bastante jovem começou a escrever seus poemas-canção e, em 1949, foi descoberta por Ficowski, que coletou, traduziu e publicou tais versos. Reza a lenda que ela foi punida por tal coisa, pois a poesia seria proibida para as mulheres ciganas. Isso, porém, é uma mentira. Wajs sofreu certo ostracismo por parte dos roma, mas isso se deve ao entendimento de que as declarações dela e de Ficowski serviram como base para os governos comunistas criarem leis que orientavam a sedentarização forçada dos ciganos.
Wajs argumentou que seus poemas foram tirados de contexto e adulterados por Ficowski, mas isso não foi suficiente para que ela deixasse de tornar-se persona non-grata entre os roma. Excluída do mundo a que pertencia, sofreu inúmeros internamentos psiquiátricos e morreu esquecida em 1987.
Seus poemas descreviam a vida cigana em sua inteireza, passando por temas como o amor pela natureza e a paixão pela vida, mas também temas mais sombrios como os sofrimentos passados durante a Segunda Guerra Mundial. Foram mais de trinta coleções de poesia publicadas em seu nome na Polônia, em traduções de Jerzy Ficowski, Julian Tuwim e outros.
Busco, aqui, apresentar aos leitores de língua portuguesa a poesia de Papusza, em uma tradução indireta: traduzo as versões polonesas de Ficowski.

WODA, KTÓRA WĘDRUJE
(Pani, so tradeł)
Już dawno przeminęła pora
Cyganów, którzy wędrowali.
A ja ich widzę:
są bystrzy jak woda
mocna, przejrzysta,
kiedy przepływa.
I domyślić się można,
że przemówić pragnie.
Biedna, nie zna żadnej mowy,
żeby nią gadać, żeby śpiewać.
Coraz to pluśnie tylko srebrnie,
zaszemrze jak serce
woda mówiąca.
Tylko koń, co na trawie się pasie
niedaleko stajni
słucha jej i szum rozumie.
Ale ona nie ogląda się za nim,
umyka, odpływa dalej,
by oczy nie mogły dojrzeć
rzeki, która wędruje.
1970

ÁGUA, QUE CORRE
Já há muito passou o tempo
dos ciganos, que vagavam.
E eu os vi:
são ágeis como a água,
forte, clara,
quando flui.
E adivinho que talvez
ela deseje falar.
Pobre, não sabe nenhuma língua,
para ela falar, para cantar.
A cada vez apenas goteja a prata,
sussurra como o coração
a fala da água.
Apenas o cavalo que pasta na grama
permanece próximo
a escuta e entende os murmúrios.
Mas ela não olha para ele,
foge, nada para mais longe,
pois os olhos não podiam ver
o rio, que corre.
BAJKA CYGAŃSKA
(paramiśa romani)
Ulepiła jaskółka
pod moim oknem gniazdo,
jaskółka czarna
jak Cyganeczka.
Wskazywała nam dobre drogi.
Zamieszkała w stajniach i domach.
Zginęła w bagnach.
1951

HISTORINHA CIGANA
Ela molda uma andorinha
sob minha janela o ninho,
andorinha negra
como a Ciganinha.
Ela nos apontou bons caminhos.
Ela viveu em estábulos e casas.
Ela morreu num pântano.

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